segunda-feira, 18 de julho de 2016

21 Gramas: um texto belo, raro, indispensável, guerreiro e lírico.

Márcio Vidal Marinho, nascido e criado no Jardim Ângela, descobre o poder da palavra e sua magia na adrenalina poética que rege os encontros da Cooperifa.
Daí em diante, Márcio torna-se além de autor de uma poesia que surpreende  - e nos atrai irremediavelmente para um imaginário de alta densidade lírica e histórica, - um estudioso  da arte da palavra. Vai fundo e torna-se mestre pela USP discutindo a chave de sua estética: a poética da literatura periférica e a tradição literária brasileira. Tanto seus estudos  quanto sua poesia traduzem precisamente  esta tensão entre o novo e a tradição, entre a História do passado e os duros tempos de violência e desigualdade em que vivemos. 
É assumindo este caminho,  que 21 Gramas produz  um texto poético complexo, onde o passado e o presente históricos se superpõem em camadas de forte interlocução, e onde, ainda em registro polifônico, radicaliza-se permitindo que os duros tempos atuais de violência e desigualdade interpelem os ecos da História da escravidão no Brasil. 
Tecendo este imaginário, perguntas tornam-se leitmotiv em 21 Gramas.  A mais altissonante delas  coloca  uma questão que aqui torna-se epistemológica: “O que será um negro?” Que sentidos históricos, políticos, atávicos se enraízam nesta pergunta?  Pergunta que se desdobra e expande no poema  “Velho canto brasileiro”:
“A única palavra que ouço/Mas não entendo/É negro,
/
Negro, negro….Deve ser o que nos espera à frente /
Deve ser a morte
/O ódio
/O que é um negro, Zaci?”

Uma pergunta que ainda neste poema costura em pontos finos e entrelaçados uma guerra resiliente, que traz de volta a dor da diáspora agora sob “o engatilhar /de uma doze”.
Sua poesia  pulsa, num cenário de ferros e correntes, de mãos atadas, de brados guerreiros abatidos por esta dúvida que não se deixa calar.
Dúvida traçada por vozes inaudíveis, por sons inaudíveis, por palavras inaudíveis (sic, poema “No voice”). Mas que  persiste e se espalha pela margens da cidade  que  “Trazem as histórias do século XX
/ E o desprezo do XXI.” 
A poesia de Márcio Vidal Marinho nos proporciona um texto belo, raro, indispensável, guerreiro e lírico. Nos apresenta a poesia negra moderna e erudita de um tempo, como disse o poeta,  em que “os navios não são mais negreiros”.

Em 2015, 21 Gramas, recebeu, como trabalho inédito, Menção Honrosa, no 23° Programa Nascente da USP. Agora publicado, vai se tornar uma referência importante no panorama aquecido da nova poética da periferia. 

21 Gramas tem data marcada para seu lançamento. Dia 13 de agosto.
Estamos todos convidados!

Heloisa Buarque de Hollanda
Ensaísta, escritora, editora, crítica literária e pesquisadora brasileira. É autora de muitos livros, entre eles, Macunaíma, da literatura ao cinema26 Poetas HojeImpressões de ViagemCultura e Participação nos anos 60Pós-Modernismo e PolíticaO Feminismo como Crítica da CulturaGuia Poético do Rio de Janeiro; Asdrúbal Trouxe o Trombone: memórias de uma trupe solitária de comediantes que abalou os anos 70; ENTER Antologia Digital e Escolhas, uma autobiografia intelectual.



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